Desde que cheguei ao Japão, em abril de 2008, acredito que não passei um dia sequer sem pensar no dia em que eu voltaria para o Brasil.
No início era mais por causa da saudade, pensava em voltar para o país onde nasci, onde cresci, onde passei a minha vida toda até então. Não parava de pensar nessas coisas. Confesso que muitas vezes atrapalhava, pois vim ao Japão para estudar, fazer cursos e ficar com outros pensamentos, em muitas ocasiões me desconcentrava.
Fazer o quê? O sentimento era mais forte que eu! Mas nessas horas eu sempre rezava. Rezava para que esse sentimento de saudade, a tristeza que sentia em algumas ocasiões, acalmasse para dar continuidade aos estudos.
Para a minha surpresa, fui prontamente atendido em minhas preces, pois depois de três dias eu já me sentia completamente acostumado com o Japão. Sentia-me como se vivesse aqui há anos, mesmo falando (muito mal) meia dúzia de palavras dessa língua que nunca tive, até então, curiosidade de aprender.
Era muito difícil entender o que o pessoal falava. Os japoneses que encontrei aqui são todos atenciosos, simpáticos, logo querem conversar com você, perguntam uma infinidade de coisas, têm as mais curiosas curiosidades, alguns acham que o Brasil é um país que só tem índio, enfim, era uma loucura, pois não entendia nada!
Nessa época estava comigo ainda o meu pai, japonês da “gema”, que virou mais o meu intérprete do que pai. Por causa dessa “facilidade”, eu não aprendia mesmo o japonês, sentia-me ainda a quilômetros de distância do Japão. Sentia-me mais perto do Brasil do que qualquer outro lugar no mundo, um verdadeiro “estranho no ninho”.
Após algumas semanas aqui, quando já me sentia mais acostumado, foi realizada em Tóquio a Reunião Geral de Presidentes de Departamento de Jovens das Filiais do Japão, para a qual fui convidado a ocupar a cadeira da América do Sul.
Qualquer palavra seria redundante para dizer que foi um honroso convite o qual tive o prazer e alegria de aceitar, já que se tratava da primeira vez que essa reunião, realizada duas vezes por ano, teria um representante do Brasil.
A reunião em si foi muito boa, produtiva. Mas o que mais me marcou na ocasião foi o fato do meu pai não ter me acompanhado, ou seja, estava sem intérprete, pois ele tinha compromisso em outra cidade. Seriam então Deus, eu e o dicionário! E mais! Os japoneses adoram pedir para você falar lá na frente, dar umas palavras...
Para os organizadores do evento não serem acusados depois por mim de que fui avisado em cima da hora e coisas do gênero, eles me avisaram com alguma antecedência: “No dia da reunião, contamos com você, ok? Você terá 2h para falar sobre o Brasil.”
Ah sim! Claro! Super simples! Eu que nem em português falo numa palestra 2h sem parar, imagina em japonês! Negociei e eles reduziram para 1h40! Não tinha jeito, além das técnicas de oratória, de impostação da voz, postura, postura das mãos, distribuição de olhares entre outras técnicas, tinha que usar toda a minha imaginação também!
Mas graças a essa experiência (que em outras ocasiões seria traumatizante) consegui depois me comunicar com um pouco mais de facilidade com os japoneses. Na verdade, não diria “comunicar”, mas algo mais primitivo, como “me fazer entender”.
Foi aí que a barreira da língua foi quebrada. E foi a partir daí que meu sentimento para com o Japão mudou ainda mais.
Antes de chegar aqui no Japão, a previsão para ficar aqui era de apenas cinco meses e ponto! Não se falava mais nisso. Porém, prorroguei a volta por quatro vezes! E nessas quatro vezes, graças a Deus, ninguém se opôs. Ao contrário, ouvi e vi muito apoio a essas decisões.
Mas por que tantas prorrogações? Indecisão?
Na verdade, não. Era medo mesmo. Não prorroguei tudo de uma vez por medo. Medo de que a segurança que sentia em ficar, do que havia aprendido até então, ainda não fosse o suficiente para me manter aqui por um período maior.
Nessas horas, mais que as outras, pensava mais e mais no Brasil, pois não queria voltar! Ficava triste só em pensar que deixaria o Japão, que não voltaria para cá tão cedo.
Nasci no Brasil, mas senti e sinto que aqui é minha terra natal. Na verdade, é algo mais espiritual, tanto que os oomotanos japoneses afirmam: “Aqui é a terra natal da sua alma”.
Quando ouvi isso pela primeira vez, não tinha como negar! Estavam cobertos de razão e explicava perfeitamente o meu sentimento. Uma inquietude não do coração, mas da alma mesmo. Como se lhe arrancassem o seu bem mais precioso.
Sempre era uma verdadeira luta! Um pouco de mim querendo voltar e o outro pouco querendo ficar para sempre.
Quando a prorrogação era então definida, a volta para o Brasil ficava mais uma vez distante e, ao mesmo tempo, cada dia mais perto. Era quase um fantasma que me acompanhava sempre.
Em julho deste ano (2009), a Gabi, uma grande amiga minha, veio ao Japão e reservou seus últimos dias aqui na Terra do Sol Nascente para passar na Sede Central da Oomoto. Foi um período muito, mas muito curto, porém riquíssimo e intenso.
Para quem não conhece a Gabi, ela é uma adorável pessoa que todos sabem quando ela está presente, pois nunca está quieta: ou está conversando, ou está rindo, ou está comendo. Mas, nos dois dias passados na Oomoto, a Gabi estava quieta. Muitas vezes até perguntei se ela estava bem. Só depois descobri que ela estava quieta mais por se sentir admirada com o lugar!
Pouco antes de ir embora, ela virou para mim e disse: “Takeshi, agora sei por que você nunca volta!”. Ri, ri feliz por ver que alguém me entendeu sem eu ter de explicar nada! Entendeu sem que eu precisasse abrir a boca para dizer algo. Senti-me realizado e, sei lá por que, com um pouco de vontade de voltar ao Brasil.
Depois de quatro prorrogações, quando defini a volta ao Brasil, meus amigos aqui sempre me perguntam incrédulos se voltarei mesmo, pois estão esperando eu dizer mais uma vez: “Por enquanto não volto... Ficarei mais alguns meses, conto com vocês”.
Outros ainda, depois dessas prorrogações, vêm com brincadeiras do tipo “Ué? Vai voltar mesmo? Não vai prorrogar de novo?” ou “Ainda dá tempo! Prorroga logo! Avisa que você não volta ainda”.
Sempre que ouço coisas do tipo, rio muito! Brinco junto dizendo que na verdade estou indo para realizar um trabalho externo e que logo voltarei, ou que estou voltando para lavar minhas roupas.
É estranho pensar que dentro de alguns dias pegarei o avião de volta para o Brasil. É estranho pensar que eu voltarei, parece-me que o natural agora é ver os outros partirem, voltarem para a terra natal, não eu. Já estou onde devo estar.
Nesse mês de agosto, quatro brasileiros vieram à Sede Central da Oomoto para treinar roei, um canto específico, para o Uta Matsuri no Brasil do ano que vem.
Fui buscá-los no aeroporto, foi um sacrifício enorme falar novamente em português, tentei acompanhá-los em diversas ocasiões, fui levá-los ao aeroporto, pois eles voltariam, eu não.
Mas daqui alguns dias também farei esse mesmo trajeto. É algo que me deixa um pouco triste. Adoro o Brasil, nasci nesse grandioso país, tenho orgulho de ser brasileiro e não nego, mas hoje sinto que também sou japonês e que não tenho dupla cidadania apenas no papel.
Mesmo um pouco triste por voltar ao Brasil, estou contente também por ter conhecido todos que conheci aqui! Viver tudo o que eu vivi! Sou extremamente grato mesmo!
E mais, sinto que em breve estarei de volta ao Japão, algo que me deixa muito mais calmo e sereno para voltar ao Brasil. Não consigo, por enquanto, explicar com palavras, mas é um sentimento muito forte.
Hoje eu posso dizer que não irei ao Brasil ou irei ao Japão, mas sim voltarei para o Brasil, minha terra natal “material”, e voltarei para o Japão, minha terra natal “espiritual”.
Quem sabe mesmo não volte depois de lavar a minha roupa?
E-mail: webmaster@oomoto.or.jp